Apenas minhas letras insanas...

terça-feira, 30 de março de 2010

Versos Livres


Saem por aí,sem escrúpulos

Descarados

Despudorados

Sem eira,nem beira

Sem ritmo,sem cadência

Audazes,ousados

Abusados

Irritam,provocam

Excitam

Incitam

Versos menores

Vagabundos

Encarniçados

Triviais

Banais

Amorais

Explícitos

Transparentes

Por vezes,

Inconvenientes

Endiabrados

E

Benditos

Versos

Alados





quarta-feira, 24 de março de 2010

O Trem

Acomodou-se no camarote. De bagagem levava apenas uma maleta de mão. Estava realmente cansada. Física e emocionalmente. Ansiava pelo chacoalhar do trem, só queria fechar os olhos e descansar. Rezava para que ninguém mais ocupasse o aposento. Não queria dividir sua dor, não podia.
Lembrou-se da última viagem que fizera ao lado dele. E dela. Olhou para o banco vazio à sua frente. Podia vê-la ali sentada, sorridente. Ele, ao seu lado, embora segurasse a sua mão, dava a ela toda a sua atenção. Ciúme sempre sentiu mas tentava ser compreensiva, paciente. As pessoas mais chegadas diziam que seria bobagem tentar afastá-los e, afinal de contas, seria uma maldade fazer intrigas entre dois irmãos. O que não sabiam ou não entendiam era a influência nefasta que ela exercia sobre ele. Tolos que não enxergam! Rebeca, sua fascinante cunhada que já havia recusado mais de uma dezena de pedidos de casamento, dos mais influentes e cobiçados cavalheiros da província. Sua beleza exótica e radiante já causara até duelos e mortes. E ela parecia se divertir muito com tudo isso.
Um homem parou à porta do camarote e a tirou de seus pensamentos. Cumprimentou-a ,cordialmente, tirando o chapéu. Sentou-se à sua frente tentando não desabar com seu pesado corpanzil. Ela o observou e lamentou profundamente a sua presença. O homem ajustou os pequenos óculos redondos e sorriu, amável. Ela retribuiu com má vontade.
O trem, finalmente, se pôs em movimento depois de um longo apito que mais parecia um lamento. Sua mente voltou novamente ao passado. Um passado recente, apenas algumas semanas atrás. Olhava pela janela, via passar as montanhas com os picos nevados que tanto a encantaram, a sua vida toda. Vida. Que vida teria agora?
Chovia muito quando chegou em casa. A sombrinha não dera conta de tanta água e vento forte. O vestido encharcado e pesado lhe irritava, subiu as escadarias com dificuldade já soltando os cabelos molhados, louca para se livrar de toda aquela mortalha. No corredor já ouviu os gemidos, os gritos histéricos de Rebeca, suas gargalhadas. Não teve coragem de abrir a porta do próprio quarto.
Sentiu novamente a mesma repulsa, o mesmo ódio, a mesma fúria. Flagrou-se apertando o próprio chapéu entre as mãos, apertando o maxilar, rangendo os dentes. Tratou de se acalmar, não estava sozinha e aquele homem não lhe tirava os olhos.
Não lhe restava mais nada. Nem sua dignidade. Curiosamente, não havia chorado em nenhum momento. Nenhum momento. Abriu a janela e respirou o ar gelado que entrava. Tentou decifrar os cheiros que sentia. Então, lhe ocorreu. Quanto tempo levaria para que descobrissem os corpos?
Foi quando o simpático cavalheiro a chamou pelo nome e mostrou-lhe seu distintivo.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Acaso Escrito nas Estrelas


Simplesmente resolveu enforcar o resto do dia. Não voltou para o escritório após o almoço.Não sabia direito o que fazer, só estava com vontade de "vadiar".Quando viu que aquele filme que ela amava estava em cartaz no pequeno cinema ,pertinho do restaurante,achou que os deuses conspiravam alguma coisa. Sentou-se na última fileira. Queria ficar sozinha. Curtir o filme que já conhecia tão bem mas não se cansava de rever. Sempre se emocionava e descobria algo de novo nas mesmas cenas.

Apagam-se as luzes,sensação boa. Respira fundo, acomoda-se melhor. Surgem as primeiras cenas,paisagens bucólicas, a música maravilhosa.

Magnetizada pelo filme,não percebe o vulto se aproximar. Apenas o descobre quando sua poltrona estremece ligeiramente. O sujeito senta-se a uma distância de três lugares.

Fica um pouco irritada. O cinema praticamente vazio, que inconveniente!

Ele cancelou a viagem no último momento. Bateu uma baita preguiça de ir para aquele congresso. E,curiosamente,não sentiu um pingo de culpa. Logo ele,sempre tão dedicado! No caminho do aeroporto pra casa resolveu mudar de rumo. Lembrou-se de um aconchegante shopping onde havia um café que costumava frequentar tempos atrás. Um cappuccino,agora,cairia bem.

Relaxou por algum tempo e resolveu caminhar. Sentia-se bem e ,afinal, quando teria outra oportunidade pra fazer nada?

Viu o cartaz do filme no pequeno e charmoso cinema. Deu-se conta que ainda não tinha visto o dito cujo. O que as mulheres tanto gostam nesse filme,afinal?

Entrou pela sala escura,o filme já havia começado. Foi tateando ,meio cego, até chegar à última fileira. Queria ficar sozinho.

Só percebeu que havia mais alguém ali quando sentiu um perfume almiscarado. Que droga! O cinema praticamente vazio,tanto lugar pra escolher!

Na tela, a atriz explode numa gargalhada com as flores falsamente venenosas nas mãos. Subliminar sensualidade. Extasiados, os dois sorriem. A cena os conecta e se olham pela primeira vez ,iluminados pela resplandecente fotografia do filme.

Então,tudo fez sentido.



segunda-feira, 1 de março de 2010

Triângulo


Seus olhos negros,olhos negros...


Não estava atormentado,tampouco arrependido. Também não estava exatamente feliz. Aliviado,talvez,o descrevesse melhor.Sorriu.

Entrou no quarto escuro tentando não fazer barulho. Tirou a roupa toda enquanto a olhava,deitada,dormindo profundamente. Sentou-se na poltrona que era dela. Observou a silhueta que se desenhava por baixo dos lençóis,sabia-a nua,sempre dormiam totalmente nus. Admirava-a. Fêmea. Curvas.

Sorriu novamente ao tentar contabilizar quantas vezes já havia tomado aquele corpo para si. Não havia centímetro um do outro que não conhecessem.

Se ela pudesse entender,ele contaria. Incomodava-o,enganá-la. Quando viu Joana,porém,sabia que ia acontecer. Tão certo quanto o Sol se pôr.

Não fora a primeira vez. E não seria a última. Sabia do seu poder sobre as mulheres. E não resistia ao ímpeto com que algumas o caçavam. E aquele aro na mão esquerda que mais parecia atrair do que repelir. Mas ele bem que tentava,não era sempre que sucumbia. Há séculos estava sossegado. Até surgir Joana.

Joana e seus olhos,olhos negros. Joana e seu sorriso. Mais do que isso, sua gargalhada solta,safada. Seus peitos,lindos,que arfavam enquanto ela ria.

Ainda jogado na poltrona ,olhando para Mônica,repassou em sua mente cada minuto vivido há poucas horas. Podia quase sentir de novo em seu corpo, o calor da outra.Possui aquela mulher com tal selvageria,com tanta fome, quase com raiva. E ela pagou-lhe na mesma moeda,esfomeada. E como foi bom,não podia negar. Afinal,não era hipócrita.

Devassa...Mas não era sua linda Mônica,também,uma devassa? E só sua. Numa mesa de bar,entre amigos,um olhar mais demorado telegrafava tudo. Havia ensinado tantas coisas a ela e como aprendeu também! Como ela o surpreendia,às vezes. Nunca sabia quando ela o comeria,quase literalmente,senhora do castelo. Ou quando se deixaria possuir tão completamente,o que o deixava maluco,com vontade de virá-la do avesso. Nunca precisaram de joguinhos,apetrechos,nada além um do outro. Nutriam uma coisa rara,intimidade. E essa intimidade era o pilar,dali podiam tudo. E tudo faziam. Sem limites,sem regras,sem culpas,sem cobranças.

Então, por que Joana?

... porque sim.

Levantou-se,leve como pluma,deitou-se ao lado dela e a abraçou com ternura, envolveu um dos seu seios com uma das mãos,como sempre fazia. Adormeceu sentindo o perfume dos seus cabelos. Morreria por ela.