Apenas minhas letras insanas...

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Pagodeira

  O cabelo pintado de vermelho combinava com a mesinha do bar. A blusa colada, decote canoa, ressaltava as gorduras e oprimia os seios. O cinto preto e largo não cumpria a sua missão e ainda causava um certo desconforto.
  Cantava um pagode. Balançava a cabeça, rebolava sentada, sacudia os ombros.
  Sorria seu melhor sorriso, usava seu melhor batom. O cabelo domado a qualquer custo balançava o quanto podia. Menos do que ela esperava, menos do que ela queria.
  Olhava de tempos em tempos para o homem atrás do balcão, esperando e pedindo por alguma aprovação. Não que muita diferença fizesse, só pedia um olhar solidário.
  O suor brotava na testa, escorria miúdo num fio no meio das costas. A cólica apertava e dava nó nas entranhas num vai e vem diabólico. Lembrando-lhe a cada investida que a calça de lycra branca não fora a melhor escolha.
  Demonstrava alegria, confiança. Irradiava uma luz que na verdade não existia, mas só ela sabia.
  Voltou para a casa como sempre fazia.
  Fatinha canta que é uma beleza! Essa aí quer ser cantora...
  Ferveu três folhas de louro, coou e adoçou com bastante açúcar. Tomou o líquido quente rezando por algum alívio, algum conforto.
  Pensou em beijar os meninos antes de se deitar, mas contentou-se em olhar para eles através da fina cortina que separava o pequeno quarto da cozinha que também era sala e que virava o seu próprio quarto quando o sofá-cama vermelho lhe abrigava o corpo todas as noites.
  Vestiu uma camisola e deitou-se ainda sem sono. A chuva desabou de repente. O vento forte castigava os telhados precários, derrubava os varais. Mas ela não se importava, não mais. Olhava para a pequena janela que acendia e apagava ao sabor dos clarões provocados pelos raios que caíam ferozes.
  E o barulho dos trovões cada vez mais fortes e os relâmpagos cada vez mais luminosos e intensos, meu Deus! Quanta beleza...
  A água batia com força, uma força brutal. E suas lágrimas escorriam tão tímidas...
  Foi tudo tão rápido. Não teve tempo para se arrepender de nada. Não teve tempo para chorar por sua mãe que tanto lhe pedia para sair daquele morro. Não teve tempo de correr para os seus meninos.
  Só teve tempo para um último clarão, seu palco iluminado.
  E então, finalmente, cantou.



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