Apenas minhas letras insanas...

terça-feira, 12 de março de 2024

Periferia


Por aqui, tudo é muito colorido.

Terracotas e azuis.

Vermelhos e amarelos.

Verdes nos muros e nas árvores.

Multicores nos varais ao vento.

Rabiolas serpentinas riscando o azul do céu.

Caquinhos divertidos salpicando os quintais.

Quando chove, curioso, as cores se destacam.

Se brilham sob o Sol, 

É quando a chuva acinzenta o dia

Que elas explodem atrevidas!

E as tardes findam compondo aquarelas

Às vezes são rosadas, outras, alaranjadas.

E tem aqueles dias em que tudo fica azul

Azulado feito Jodhpour!

Quem diz que minha terra é cinza?








terça-feira, 25 de abril de 2023

Clarice

 Sim, eu ainda te amo, disse ela, enquanto botava alguns bibelôs na caixa de papelão. Eu ainda te amo, mas no momento eu te odeio mais.

 Ele desviou os olhos cheios de culpa. Se pudesse voltar no tempo. Apenas três semanas atrás. Faria tudo diferente!

 Olhou para ela novamente. Curvada sobre a caixa arrumando meticulosamente seus pertences preciosos. Se bem a conhecia, sabia que não sobraria espaço vazio. Tudo haveria de se arranjar harmoniosamente.

  Não existem atalhos para Clarice. Nem nuances.

  Apenas três semanas atrás. Faria tudo diferente?

  Não.

  Adeus, Clarice. 

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Graças a Deus existem os periquitos.

 


Aquele brilho intenso, dourado. Fruto do Sol batendo no alto do prédio espelhado. Já fotografei tantas vezes.

Já fotografei tantas fases e faces da Lua.

Aviões e nuvens, céu de brigadeiro. Tantas e tantas vezes e de todos os ângulos que eu pude perceber.

Uma mão segurando o queixo, a outra segurando a câmera. Inerte.

E a tarde se vai sem deixar marcas.

Mas, felizmente, existem os periquitos.

Esses seres endiabrados que surgem verdejando tudo. Não sossegam nem por um segundo. Uma algazarra sobre a mangueira frondosa.

A tarde finda, a luz se vai aos poucos.

E eu, finalmente, me divirto clicando furiosamente aquelas criaturinhas barulhentas.

O saldo são dezenas de imagens abstratas, difusas, desfocadas, esverdeadas. Lindo de se ver.

Graças a Deus existem os periquitos.

Graças a Deus...

 

quinta-feira, 14 de maio de 2020

A Árvore



Olhou para cima com o verde dos olhos
E estes encontraram o verde da árvore
Copa frondosa, vibrante, viçosa.
Ouviu o alarido dos periquitos
Tão verdes quantos seus olhos
Farreavam entre as folhas
Invisíveis, camuflados.
E a árvore, tão generosa
Trazia-lhe sombra e frescor
Frutos e cores
Libélulas, cigarras e pássaros
A cura para suas dores.


quarta-feira, 13 de maio de 2020

Libélula



Uma libélula pousou à minha frente
Sobre a grade da varanda
Asas translúcidas, brilhantes.

Parecia me encarar tão serenamente
Aproximei a minha mão
Já esperando a debandada.

Mas, ela ali ficou
Imóvel, quase transparente
Tão linda, transcendente.



terça-feira, 23 de julho de 2019

Gravatinha borboleta




O compromisso mais importante do seu dia era pôr o lixo para fora.
Escolhia, com esmero, a camisa mais bem passada. Lustrava os sapatos, ajeitava a gravata borboleta até estar satisfeito com sua perfeita horizontalidade.
Alinhava os cabelos até que nenhum fio mais ousado se rebelasse.
Conferia a própria imagem no espelho diversas vezes, de todos os ângulos possíveis.
Finalmente, botava suas luvas de borracha, pegava seu único saco de lixo muito bem amarrado.
Fazia questão de esperar o caminhão de coleta no portão de sua casa impecável.
Ereto e com uma expressão impassível, sempre esperava que o coletor viesse ao seu encontro. Então jogava o saco de lixo aos seus pés e o olhava de cima a baixo, com um quase imperceptível sorriso de escárnio.
Destilava superioridade por todos os poros e se esforçava, de forma hercúlea, para demonstrar, apenas por seu olhar, todo o desprezo que fosse capaz de sentir.
Voltava, então, triunfante para o seu castelo.
Sentava-se à mesa, prévia e perfeitamente, posta. E começava seu desjejum.
E mastigava suas torradas perfeitas olhando para uma parede branca, de azulejos limpíssimos, frios.
E, como sempre, todos os dias, se fundia à simetria perfeita dos quadradinhos enquanto um vazio brutal o consumia e o devorava até não sobrar sequer resquício do prazer fugaz de que desfrutara minutos atrás.
No outro quarteirão, dois jovens pendurados no caminhão de lixo conversavam, animados, sobre o jogo do último domingo. E combinavam o próximo churrasco entre amigos.
Nenhum deles reparou na gravatinha.
















quarta-feira, 17 de julho de 2019


Eu tropeçava nas pedras jogadas por eles, desviava de suas lanças.
Ignorava suas injúrias. E prosseguia.
E eles não suportavam o meu olhar.
E eles se acovardavam e se apequenavam a cada investida.
E não suportavam o meu olhar.