Apenas minhas letras insanas...

terça-feira, 23 de julho de 2019

Gravatinha borboleta




O compromisso mais importante do seu dia era pôr o lixo para fora.
Escolhia, com esmero, a camisa mais bem passada. Lustrava os sapatos, ajeitava a gravata borboleta até estar satisfeito com sua perfeita horizontalidade.
Alinhava os cabelos até que nenhum fio mais ousado se rebelasse.
Conferia a própria imagem no espelho diversas vezes, de todos os ângulos possíveis.
Finalmente, botava suas luvas de borracha, pegava seu único saco de lixo muito bem amarrado.
Fazia questão de esperar o caminhão de coleta no portão de sua casa impecável.
Ereto e com uma expressão impassível, sempre esperava que o coletor viesse ao seu encontro. Então jogava o saco de lixo aos seus pés e o olhava de cima a baixo, com um quase imperceptível sorriso de escárnio.
Destilava superioridade por todos os poros e se esforçava, de forma hercúlea, para demonstrar, apenas por seu olhar, todo o desprezo que fosse capaz de sentir.
Voltava, então, triunfante para o seu castelo.
Sentava-se à mesa, prévia e perfeitamente, posta. E começava seu desjejum.
E mastigava suas torradas perfeitas olhando para uma parede branca, de azulejos limpíssimos, frios.
E, como sempre, todos os dias, se fundia à simetria perfeita dos quadradinhos enquanto um vazio brutal o consumia e o devorava até não sobrar sequer resquício do prazer fugaz de que desfrutara minutos atrás.
No outro quarteirão, dois jovens pendurados no caminhão de lixo conversavam, animados, sobre o jogo do último domingo. E combinavam o próximo churrasco entre amigos.
Nenhum deles reparou na gravatinha.
















quarta-feira, 17 de julho de 2019


Eu tropeçava nas pedras jogadas por eles, desviava de suas lanças.
Ignorava suas injúrias. E prosseguia.
E eles não suportavam o meu olhar.
E eles se acovardavam e se apequenavam a cada investida.
E não suportavam o meu olhar.