Acomodou-se no camarote. De bagagem levava apenas uma maleta de mão. Estava realmente cansada. Física e emocionalmente. Ansiava pelo chacoalhar do trem, só queria fechar os olhos e descansar. Rezava para que ninguém mais ocupasse o aposento. Não queria dividir sua dor, não podia.
Lembrou-se da última viagem que fizera ao lado dele. E dela. Olhou para o banco vazio à sua frente. Podia vê-la ali sentada, sorridente. Ele, ao seu lado, embora segurasse a sua mão, dava a ela toda a sua atenção. Ciúme sempre sentiu mas tentava ser compreensiva, paciente. As pessoas mais chegadas diziam que seria bobagem tentar afastá-los e, afinal de contas, seria uma maldade fazer intrigas entre dois irmãos. O que não sabiam ou não entendiam era a influência nefasta que ela exercia sobre ele. Tolos que não enxergam! Rebeca, sua fascinante cunhada que já havia recusado mais de uma dezena de pedidos de casamento, dos mais influentes e cobiçados cavalheiros da província. Sua beleza exótica e radiante já causara até duelos e mortes. E ela parecia se divertir muito com tudo isso.
Um homem parou à porta do camarote e a tirou de seus pensamentos. Cumprimentou-a ,cordialmente, tirando o chapéu. Sentou-se à sua frente tentando não desabar com seu pesado corpanzil. Ela o observou e lamentou profundamente a sua presença. O homem ajustou os pequenos óculos redondos e sorriu, amável. Ela retribuiu com má vontade.
O trem, finalmente, se pôs em movimento depois de um longo apito que mais parecia um lamento. Sua mente voltou novamente ao passado. Um passado recente, apenas algumas semanas atrás. Olhava pela janela, via passar as montanhas com os picos nevados que tanto a encantaram, a sua vida toda. Vida. Que vida teria agora?
Chovia muito quando chegou em casa. A sombrinha não dera conta de tanta água e vento forte. O vestido encharcado e pesado lhe irritava, subiu as escadarias com dificuldade já soltando os cabelos molhados, louca para se livrar de toda aquela mortalha. No corredor já ouviu os gemidos, os gritos histéricos de Rebeca, suas gargalhadas. Não teve coragem de abrir a porta do próprio quarto.
Sentiu novamente a mesma repulsa, o mesmo ódio, a mesma fúria. Flagrou-se apertando o próprio chapéu entre as mãos, apertando o maxilar, rangendo os dentes. Tratou de se acalmar, não estava sozinha e aquele homem não lhe tirava os olhos.
Não lhe restava mais nada. Nem sua dignidade. Curiosamente, não havia chorado em nenhum momento. Nenhum momento. Abriu a janela e respirou o ar gelado que entrava. Tentou decifrar os cheiros que sentia. Então, lhe ocorreu. Quanto tempo levaria para que descobrissem os corpos?
Foi quando o simpático cavalheiro a chamou pelo nome e mostrou-lhe seu distintivo.
Kassia
ResponderExcluirVc está particularmente inspirada. Parabéns!
Bjs
Minha amiga, sua prosa é maravilhosa! Ainda não topei com nada que chegue a seus pés na blogosfera... Um beijo!
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