Apenas minhas letras insanas...
sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
O Violão
Estava naqueles dias em que o tédio não a importunava. Queria, aliás, ficar sozinha com a sua pasmaceira. Mas alguém tocava um violão, em algum apartamento no mesmo bloco.
E numa tarde de um outono qualquer, os acordes precisos lhe chegaram driblando pelo caminho as ondas sonoras do burburinho urbano.
Parou tudo o que não estava fazendo, só para ouvir...
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terça-feira, 26 de novembro de 2013
Caquinhos Vermelhos
Eu me lembro do quintal coberto por caquinhos vermelhos, salpicados de preto e amarelo, aqui e ali. E me lembro das jardineiras perfumadas de flores e ervas. Da vassoura de palha pendurada numa parede, dos baldes de alumínio, do tanque de pedra e daquela torneira que parecia de ouro. E as cores eram tão vivas, realçadas pela luz do Sol que batia, plena, por todo o lugar.
Eu tirava os sapatos e corria de braços abertos dando voltas e mais voltas! E tentava percorrer cada pedacinho como, se assim, eu pudesse levar comigo cada um daqueles caquinhos.
E eu me punha a explorar os cantinhos, os tijolos quebrados do muro aonde se escondia um mundo de bichinhos esquisitos. As quinquilharias do meu avô, um monte de coisas e coisinhas que eu não sabia bem pra que serviam, mas eu as usava mesmo assim, inventando. E o silêncio, Deus! O silêncio que só era quebrado pelo chamado dos bem-te-vis ou pelo latido de um cão, lá longe.
E enquanto o dia, lentamente, escurecia tudo ficava meio alaranjado, mais fresco e até os cheiros mudavam. Então, às seis horas, minha avó ligava o rádio para ouvir uma música bonita. Era sempre a mesma música. E eu já sabia que era tempo de ir embora.
Era o meu reino, meu paraíso. E lá eu não queria brinquedo. Nem carrinho, nem bola. Nem gente.
Era o meu canto secreto. O quintal de caquinhos vermelhos, que sobrevive apenas na minha memória. E no meu coração.
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segunda-feira, 13 de maio de 2013
Narrativa de um breve sonho
No meu sonho você se deitava em minha cama e me abraçava a cintura. E me olhava com esses olhos tão grandes, que nunca vi em rosto nenhum. E eu lhe afagava os cabelos, indecisos entre o marrom e o vermelho. E brincava com suas sardas discretas, pontos de luz duma tarde dourada de outono.
Despertei mansamente e tão descansada como há muito não me sentia.
E a sensação de conforto foi tão grande, tão grande que me perseguiu, generosa, por todo o meu dia.
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Despertei mansamente e tão descansada como há muito não me sentia.
E a sensação de conforto foi tão grande, tão grande que me perseguiu, generosa, por todo o meu dia.
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quarta-feira, 17 de abril de 2013
Viagem Insólita
Sim...
Bastava o teu peito para me acolher
Nada mais.
Quem sabe, assim, essa vida ganhava alguma cor
E este tédio se diluía em teus olhos.
E, então, todos esses sorrisos estúpidos e congelados que me rodeiam, pipocariam por aí e fariam, finalmente, algum sentido.
E as imagens captadas pela minha lente nunca mais seriam óbvias!
E uma leveza inenarrável, talvez, se apoderasse
Deste meu corpo obsoleto
E esta matéria chula e primitiva, talvez, conseguisse acompanhar
A minha mente.
E, então, eu surfaria indelével, sobre os raios coloridos que transpassam aquele prisma que renasce a cada acorde da guitarra.
Bastava o teu peito, meu amor.
Sim...
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segunda-feira, 15 de abril de 2013
E assim é
Olho para a sua juventude.
Posso sentir o seu frescor
Através desta fotografia.
Posso ler nos seus olhos
Esperança, euforia e, até, uma certa prepotência.
Olho para a sua pele lisa,
Para os seus cabelos fartos,
Para o seu sorriso tão despreocupado.
E minhas lágrimas escorrem
Tortuosas pelas minhas rugas.
Olho para o seu corpo tão esguio e forte
E minhas dores, ainda mais imperiosas, latejam sem dó nem
piedade.
Olho para o seu futuro,
Vejo o meu passado.
E quando olho para o espelho
Sei que é você,
Mas não lhe reconheço.
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quarta-feira, 27 de março de 2013
Um momento único
Corremos quando os primeiros pingos de chuva começaram a cair. Rindo, de mãos dadas, pisando na areia molhada.
Corremos na beira da praia, sempre rindo. De mãos dadas. A chuva apertou, virou tempestade. Mudamos o rumo, corremos pra dentro do continente. Correndo mais rápido, eufóricos, rindo mais alto. E de mãos dadas. Cruzamos a linha do trem, saltamos os trilhos. O cheiro de maresia dando lugar ao cheiro de terra molhada. Cheiros de vida! Continuamos correndo, chutando as poças d'água que se formavam nas ruas de terra. Rindo. De mãos dadas.
Chegamos, finalmente, à casa. Ofegantes, molhados, cheios de areia, respingados de barro. Meu primo e eu. Aos dez anos de idade. Belos, sujos e felizes!
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sábado, 23 de fevereiro de 2013
E o poeta se vai.
Quando um poeta se vai,
um verdadeiro poeta,
fica o cliché...
“suas palavras são eternas”.
É bem verdade.
Mas o que fica mesmo é a porra de um vazio.
Um vazio repleto de palavras que
jamais serão
ditas.
Um poeta, um verdadeiro poeta,
é um ser relevante.
Um poeta faz falta.
Como lidar com a fúria deste mundo sem o amparo do
olhar de um poeta?
Ele grita por nós. Chora. Xinga. Escarnece.
Ele nos vinga. E nos resgata.
E também bate na cara, quando é preciso.
Sim, ficam as palavras. São eternas.
Mas sinto falta daquelas que se calaram
no nascedouro.
Poetas não deveriam morrer.
Não os verdadeiros.
Para Júlio
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